sábado, 19 de março de 2011

NOITE DE WALPÚRGIS - Broadway



A NOITE DE WALPÚRGIS


                                                        O espetáculo no Salão Broadway do navio está sendo montado. Presentes Freder e Catarina.



CATARINA HELM
   O palco ainda está longe!
   Estes caras trabalham feito monge.

FREDER PAZ
   Imenso prazer inspira tais estréias,
   Porque, do nosso ser, somos platéias!

CATARINA HELM
   Para dizer-lhe a verdade, nada disso me interessa!
   Do meu corpo domina uma permanente pressa.
   Desejo ver na entrada a neve, o gelo eterno!

   Como alça medonhamente o holofote ao teto.
   Reflete muito mal e no palco é reto.
   Esbarra num entrave ou nalgum difusor,
   Deixa-me que avise o nobre produtor:
   - Ei, amigo! Acompanha-nos daqui convido-o,
   Por que brilhas em vão pelo palco como borracho?
   Que segue uma luz difusa, está feio, acho!

VOZ DE AVISO
   Céus! Tudo faça para que o vejamos iluminado!
   Dança de luz componho, e não as tenho no tablado!

CATARINA HELM
   Boçal, viste, comporta-te direito!
   Trata quem avisa com mais respeito!
   Bem saiba que sou senhora desses lares,
   Posso te conduzir humilde pelos ares!
   Esteja certo de que não quero humilhá-lo.

FREDER, CATARINA, VOZ DE SEGURANÇA (falam alternadamente)
   Nas esferas de sonho vamos ao palco criá-lo.
   Conduze-nos e orienta para que forte sigamos.
   Ostenta que o céu, do espaço vazio, logo o tornamos.

   Na frente vejo árvores, só árvores!
   Sublima atrás os pontiagudos rochedos,
   Traz ao conjunto do palco graves entraves.

   Como roncam e zunem crescendo os medos!
   Lindos rios, ouço o som dos riachos,
   Doces mortais, são vozes celestiais!
   O canto refaz ecos de outrora. Escutamos.

   Estão todos despertos?

   Multicores multidões de zoadores,
   Correm na lama feito os insetos roedores!

   Mesmo assim os espaços vão se enchendo,
   Que por vos tenho laços; amor tremendo!
 
   Nessas alturas achas que é bom parar?
   Ou se agita em volta e vibrando queres avançar?

CATARINA HELM
   Posso ver com euforia e manha,
   De Mammon o meu seio olhar da poltrona!

FREDER PAZ
   Dos despenhadeiros, nas profundas entranhas,
   Reflete-se e rebrilha ardente a toda hora.
   Surgem chamas de fumo; afloram brumas,
   Que lhe brotam os sumos; exalas á amora!

   Une-se novamente em pequenas convulsões,
   Olha além! No fundo se incendeiam ternas ilusões!

CATARINA HELM
   Oh grande rei Mammon, eis o teu palácio adorado!
   Pressinto que ali entra um tripulante agitado.

FREDER PAZ
   Em incontido alvoroço, golpes vem aplicar ao moço.

CATARINA HELM
   A nuvem escurece ainda mais a peleja.
   Escuta como estalam nas colunas!
   Galhos tremem e quebram, aquele planeja
   Apavorar com grunidos ao dançarino em plumas!
   Enroscam-se ao cair, e nas grutas sombrias,
   Ouço vozes que vibram em ventanias.
   De certo, é um Alto desconcerto!

VOZ DE AVISO
   Ao inferno com pressa!
   Arranharam-se todos, ora essa!
   Por que tanta confusão e tamanha agitação?
   Todos! ai rastejando como caracóis,
   Abrandem esses nervos ou estareis em negros lençóis!

   Quem do abismo vos chama assim em sobressalto?

   Quem até hoje a torre elevar-se não pode,
   É porque merece continuar no chão, feio e podre!

   Não tenho mais sossego!
   A droga dá coragem para qualquer farrapo.
   Logo essa embarcação será um trapo.
   Quem hoje não sair, não terá nenhum arrego!

CATARINA HELM
   Isso tudo me empurra, atrai, estonteia.
   Brilho, rebrilho, revolve-me; a confusão me incendeia!

   Agarra em mim! senão no separamos!
   Onde mesmo estamos?

FREDER PAZ (distante)
   Estou aqui? Vamos! Vamos!

CATARINA HELM
   Afasta gentalha! Fora! Agarra em mim agora!
   Convém não expor-me ao pêlo.
   Fujamos já desse atropelo!
   Sinto estranha atração por aquele boçal.
   Vem, vem, deslizemos devagar adiante!

FREDER PAZ
   É estranho que na Noite de Walpúrgis nos alcemos.
   Por aqui, por prazer, calados restemos!

CATARINA HELM
   Contempla ao longe as chamas coloridas,
   Unir-me em público, foi-me sempre a saída!
   Nunca se está sozinho, enquanto em mim se junta.

FREDER PAZ
   Daqui já vejo os brilhos; as espirais do fumo.

CATARINA HELM
   Fiquemos aqui em sossego profundo.
   Grandes e pequenos hão gerado,
   Vejo-os todos nus, atrelado
   Até às velhas astutas, muito cruas!

   Sê bondoso e agora atende o meu pedido:
   Um pouco de esforço a farra,
   Ouça o som do instrumento,
   Em alarido, em algazarra, agarra-me!

   Convém acostumar-te,
   Vem comigo e já, não haverá outro meio!
   Vou à frente e oriento e vai deliciar-te.

   Que dizes, tu, amigo?
   Haverá no mundo algo melhor?

FREDER PAZ
   Vais agir como mágica ou como demônio?

CATARINA HELM
   Em dias de gala costumo ser o pandemônio.
   Bem lenta e tateante algo em mim tem que fareja;
   É impossível negar-me; manter-me em recato à cereja!
   Vamos, da fogueira nós coramos!

(dirigindo-se a alguns sentados nas poltronas fumegantes)

   Oh senhores senis, tão tristes e decadentes,
   Muito vos trataria se estivésseis contentes!
   Mas em companhia de ardente juventude,
   Nada de ficar em cabine: no convés há muito mais virtude!

CAPITÃO
   Quem pode confiar nas monções,
   Por elas se hão sofrido tais provocações!
   Com tripulantes ter prestígio – a falar a realidade –
   É dentre as mulheres, a que ages com mais promiscuidade!

SECURITY OFFICER
   Estamos em dias distantes do direito,
   Completamente destituídos da razão.
   Lembro dos tempos de outrora, da emoção.
   Bem outro era o valor, e maior o nosso conceito!
   Venturosa e desdenhosa! És formosa a gostosa.

FIRST OFFICER
   Não éramos tão loucos quanto queríamos.
   Às vezes sem querer coisas tais fazíamos.
   Hoje é tudo desordem e devassa indisciplina!
   Sigamos assim: das drogas até as ruínas.

AUTOR
   Quem lerá hoje esse desdém rimado?
   Não me pareço sério e nem bem ornado.
   E a cara juventude, em tudo que se empenha,
   Mostra-se sem interesse e também pretensiosa!

CATARINA HELM (anda como se fosse uma velha)
   Para o Juízo Final estamos imaturos.
   O mundo vai assim, velho e seguro.

   Há taças que servi bebidas venenosas,
   Que lábios sorveram-me em babas pegajosas.
   As jóias que suas esposas perverteram,
   Aqui no meu corpo abateram!

   Somente a novidade atrai os velhos, e os porcos!

FREDER PAZ
   Não percamos tempo com toda essa asneira!

CATARINA HELM
   Tu julgas arrastar, mas és sempre arrastado.

FREDER PAZ
   E quem é aquela?

CATARINA HELM
   Quem observas é Lolita, a bela!

FREDER PAZ
   Quem?

CATARINA HELM
   A primeira puta do oficial Adão!
   Observa o primor de seus encantos:
   Belos e encaracolados cabelos são
   A tortura ao homem em sobressaltos!
   A adornam até luzir, e ela continua a seduzir.

FREDER PAZ
   E essa velha e essa jovem, aqui sentadas.
   Vê-se que ambas são muito bem tratadas!

CATARINA HELM
   Essa embarcação tornou-se desassossego, perdição!

FREDER PAZ
   Dois colares nela brilhavam,
   Atraiam-me e me tentavam!

A BELA
   À jóia te seduz desde os tempos do Paraíso!

CATARINA HELM
   Até mim mesma me aprazia.

A VELHA
   Isto é uma afronta de permissividade!

CATARINA HELM
   Aquieta-te! que não tens mais idade!

HOTEL MANAGER
   Que ruídos são esses dessa maldita!
   A ti hei provado não faz muitos meses.
   É impressionante como a todos se atreves.
   No entanto transas bem, dos pés à lambida!

A BELA
   Que desejas essa intrusa em nosso baile?

FREDER PAZ
   Ela é onipresente, está em todo o barco!
   Costuma estimular com tal arco,
   Arte, trejeitos e danças em xale!

   Às vezes é hostil se rápido avança,
   Com todos em seu moinho prende e lança!

   Assim, mesmo que desgosta e acha não estar bom,
   Aprecia homenagens todas em alto tom!

HOTEL MANAGER
   É espantoso o quanto gozemos.
   A diabólica é infensa à disciplina.
   Também és dos espertos e doentes, sabemos!
   Tamanhas ilusões quase nos jogam à ruína.

A BELA
   É hora de parar! Está a incomodar-nos!

HOTEL MANAGER
   Minha posição não permite tal impostura.
   Logo farei a viagem divertida,
   E para os poetas e diabos não haverá saída!
   Pertenço, sem dúvidas, a outro tipo de cultura.

CATARINA HELM
   Lembras de como costuma aliviar-se em minha cama!
   E de sanguessugas foi-se o espírito limpando.
   Ficavas gritando e lambuzando-se em minha lama.
   Agora desfila com a mocinha ao lado,
   Sempre soube, nunca deixarias de ser tapado!

FREDER PAZ
   De sua boca se lança um morganho irado!

CATARINA HELM
   Quem pergunta por isso em horas de luxúria?

FREDER PAZ
   Digo-te mais: nunca hei visto!
   Poderia ter um pouco mais daquela miragem?

CATARINA HELM
   Inalar de novo agora não convém!
   Se teu sangue gela poderás transformar-te em granito.
   Nunca ouviste falar de tamanha overdose, acredito?

FREDER PAZ
   Falta lhos luz da vida...
   Chegaria a ver; tocar Verônica.

CATARINA HELM
   Tolo impressionável! Enxergas do pó miragem!

FREDER PAZ
   Não posso desse olhar libertar-me um momento!
   No pescoço és adornada, feito fio de lamina aguçada.

CATARINA HELM
   Sempre há prazer em contemplar a menina.
   Vamos que te levo do corredor à cabina!
   Adocemos no prazer a doce paragem,
   Pois ilusões ou não, estamos no teatro!

SECOND OFFICER
   Iniciemos o ato final, dos sete, o derradeiro!
   É costume daqui mirar-se o programa inteiro.
   São mesmo tripulantes a representá-los!
   Senhor, perdoai! Retirar-me preciso.
   A mim produz prazer subir o pano,
   E o faço em um segundo.

CATARINA HELM
   Façam sobre o palco e no fim encontrai-vos.
   Esse é o nosso próspero mundo!







SONHO DA NOITE DE WALPÚRGIS



                           Na sala de espetáculos Broadway, entradas pelo quinto e sétimo deck. Apresentação de alguns tripulantes.




CRUISE DIRECTOR
   Caros, sois todos convidados,
   Enfim, este é o circo armado!

BEAUTY SALON MANAGER
   Procuram-me querendo vossa aparência melhorar,
   Mas o que me interessa é o ouro-de-tolo vos levar!

CASINO CROUPIER
   No black jack ou com o rei,
   As fichas todas para banca retornarei!

CASHIER
   Já venham com o dinheiro trocado
   E os bolsos em torno arrastados!

SOCIAL HOSTESS
   Os caras feios causam espantos
   Quando para mim olham demais!

DISC JOCKEY
   Tocar psy não aguento mais
   Para que dois se amem: um bom samba!

FITNESS INSTRUCTOR
   Agarrai-vos com força de arromba,
   E assim levantam os pesos a valer!

CHIEF ENGINEER
   Conserto máquinas, mas sou musicista!

CANTOR
   Pois todos aqui não passam de artistas.

DANÇARINO
   Alguns com mais poesia, certo,
   Enquanto outros dão azia de perto!

MÚSICOS DA BANDA
   O que aqui tocamos são coisas de aprendiz,
   Interessa-nos mesmo ir para Itália com a meretriz!

PIANISTA
   Pura má sorte que vos arrasta,
   Já que são todas degeneradas!

VIOLINISTA
   O compasso conserva em regra!

GIFT SHOP MANAGER
   Atendo aos jovens belos cada qual
   Cheios de bolsas e esperanças, sem tonal!

CHIEF HOUSEKEEPER
   Da suas cabines ao despertar
   Pro inferno vou fugir!

HEAD ROOM STEWARDESS
   Uns insetos parecemos!

DOUTOR
   Olhai-vos em confusão
   Quem tem um bom coração?

ENFERMEIRA
   Entre bruxas tão confusas
   Tenho o prazer em perder-me!

PHOTOGRAPHER
   Esse homem que agita,
   Qual o nome do orgulhoso?

OS ESPERTOS
   Fazemos á máfia nas águas puras.
   Homens devotos sem tais ternuras,
   Aos revoltos somos estranhos,
   Sem perguntar nos afrontam como diabo
   E vamos levando sem tais banhos
   Ao certo hoje sou louco e me acabo!
   A existência nos desgosta
   Sois todos a mesma besta
   E na vida é a prima volta
   Que nos pés não nos firmamos
   Quando o mar se pega em revolta
   É cada qual no seu canto sem tino!
   Quê, prazer aqui? – um sonho!
   Que me alegro nesses ritos
   Vemos existência no demônio
   Isso aqui é dos bons espíritos o riso!

OS INERTES
   Das calmarias seguimos o rumo,
   Logo mais aqui vos aprumo!

OS MASSAS BRUTA
   Oh diletantes malditos,
   Um pouco de trabalho mal não faz aos mosquitos!
   Pareceis até os musicistas!
   São pessoas que espairecem,
   Dos pés não mais obedecem,
   Sobre nossas cabeças, os tais artistas!

MAESTRO
   Verdade seja dita: bons pedaços comemos.
   Contanto não fomos bem nascidos,
   E nesse círculo infernal comporemos
   Belas trovas de muitos já esquecidos!

ORQUESTRA
   Espaços em redor, muito espaços desejamos!
   De mais leves espíritos nos privamos.
   Aclara a densa neblina
   A nuvem negra se esvaece
   O do que mesmo disso gostaríamos
   É que dos tripulantes, ninguém
   Depois desses bufantes
   Deixe essa sala ileso; do mais nos esquece!

   Canto o vento pelo casco
   E tudo fica em riso ou asco!

   É assim a vida de barco.

   Amem mar!




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