domingo, 4 de julho de 2010

2002/03.(postado in locu)
Só por ver aquele homem de estatura mediana ali à frente, deitado sobre uma pedra entre tantas outras que constituem nesse rochedo que nesse instante atravessa uma disputa de elementos com o nervoso mar de uma pequena ilha em alguma parte oeste do Pacífico, local que se é de costume verem-se os cocos maduros descerem por sua própria força ou vontade pelos troncos dos coqueiros até as mãos dos pescadores que saem de manhã bem cedo para o mar e, nesse mesmo dia, quando de lá voltarem, verão eles os belos urubus que vivem nessa pequena vila sitiada no infinito quieto de algum ponto iluminado do mundo, verão eles essas aves negras incriminadas pelo signo da sujeira sentarem-se no lado oeste dessa praia, logo adiante daqui, para discutir sobre aquilo que estiver em suas mentes urubanesas, e, é digno de respeito o belo esforço desses seres, pois vai-se tentar entender a metafísica existente por trás de qualquer lixo humano. Sabe-se agora que foi nessa ilha de estranhos fenômenos que decidiu aquele homem do qual falava há pouco deitar-se sobre uma pedra côncava, ao lado do mar revolto pelo vento, olhando para um pequeno barco de pesca que segue ao horizonte, com sua cabeça apoiada sobre o braço esquerdo dobrado abaixo dela, com as duas pernas encolhidas em forma da letra “v” com o vértice voltado para o céu dando, desse modo, apoio ao sonhador que ali divaga e como disse, só por vê-lo já podia imaginar muito do que aquele homem pensava e, então, fui me aproximando e pude ouvir perfeitamente quando colei minha cabeça junto à rocha que ele pensava. Pensava ele:




O SONHADOR E O BARCO


Imagine a imaginação como a um barco.

Acredite em tudo no nada e sente-se para ver seu barco que naufraga

Sem nem mesmo perceber o marinheiro que o leme draga

Procurando um sentido no mar revolto

Para não seguir sempre solto


Sou só um pequeno barco que tendo um oceano na cabeça

Talvez mereça:

Um leme.


Mas,

Não consigo (você ir embora do meu pensar)

Sigo e sei que você só existe no oceano do meu ar

Pois, só, nele é que se crê as letras do meu divagar


E devagar

Minha visão segue sozinha como aquele barco


Visão já esta embaçada


Já nem sei mais se é o Oceano

ou se amo ...



Comecei a não perceber mais o que aquele solitário homem pensava quando minha companheira chegou me perguntando.

- Olá querido. O que faz você aí?

- Eu estava só observando aquele homem deitado ali na frente.

- Ah! Já vem você de novo começar a dizer que sabe ouvir o que eles pensam. Vamos, vamos logo embora.

- Mas eu entendo querida, entendo aquilo que eles pensam. Escuto e sei sobre os medos desses homens. Você me entende?

- Não! não entendo nada do que me diz. Vamos para casa.

Percebendo um rancor sereno em seu marido, ela carinhosamente segue abraçada com ele e pergunta.

- E então, meu bem, sobre o que ele pensava?

- Ele precisa de um leme, meu amor.

- Um leme? Então é pescador?
- De certo modo sim, mas ele navega em um mar de sonhos, meu bem, e o leme dele é mais difícil de se encontrar...


E assim seguiram aquelas duas baratinhas do mar andando sobre as pedras até chegarem em suas tocas, próxima ao homem que ainda o barquinho observava seguir ao mar, enquanto um grande coco já descia a mão de um nobre pescador que seu barco recolhia na areia da praia onde já se podia ouvir a discussão de dois urubus sobre a organicidade das proteínas.


ps.
texto antigo composto por baixo do varal polvo..
Americana/Sao Carlos do Pinhal 2002/03