domingo, 20 de março de 2011

TUNISIA - Afrique du Nord



DIAS SOMBRIOS. TÚNES



Freder. Catarina.



FREDER PAZ
   Injustiçada enquanto o peito desfazia-se em mágoa! Nas lágrimas da vergonha, assim foi ela arrastada ao cárcere! e agora é prisioneira em um interrogatório sem igual. Não Deus! Essa vida não me quer um ser normal! Enquanto daqui antevejo minha amada, da tua resignação divina privada, és como o pérfido e vil espírito dessa mundana em minha cama!, sendo alfinetada pelos do barco guardiões. os mais carrascos entre os vermes percevejos! Revolve os teus olhos, diabólica! e não penses em pérfido pensamento, neste teu rosto monstruoso, desenhar o sádico momento numa insuportável imagem que tua imaginação doentia e profana, não ouse traçar! Isso tudo me ocultaste!, tua cruel e vagabunda presença me agasta! A tempestade vem e o mar e seus porcos trabalhadores continuam!, amuam-se em suas miseráveis existências que para mim, isso aqui, basta!
   Prisioneira! Agora tomará uma advertência alta, essa que só a Deus tece clemências! Injustiça insuperável para aquele que lhe quer sorridente e adorável! entregue aos chulos oficiais e a justiça profana, teriam os anjos que regem em mais doce cântico, nas mãos das assas aos céus, tornados todos insanos? E tu me embalavas em distrações mundanas e fúteis, escondendo de mim o destino negro que a tangia enquanto me ornava em tua macia orgia! A deixaste arruinar sem ajuda nenhuma!

CATARINA HELM
   Ela não é a primeira.

FREDER PAZ
   Ave! És ave em tua adorável estatura enquanto a todos seduz! Volta-se a ser e voa de novo para o inferno, como vieste a mim num dia de sole terno, observava-te o seu show começar! Eras delicada em pele do soturno animal, que logo não percebi, ao seres negro em ti, o abutre que és. Transforma-te de novo em figura pequena, que esmagar-te poderei no chão até sua ultima pena! Desgraçada! Não é a primeira! Ainda dás-te á ironia! Incompreensível é, a qualquer dos justos, que mais de uma das santas haja caído em tenebrosas teias, agentes, oficiais do caralho! sem que dessa injustiça hajam mudado as regras! Tem mesmo todos as caras de carvalho negro. Isso me estraçalha a resignação e a vida do mar. dessa ruína era a única criatura que isso não merecia! E vos encarniceis impassíveis ante os destinos de milhares! Queria ver um de vos ao mar entregues sem botes vidas alhures!

CATARINA HELM
   Eis que nos encontramos nos limites da loucura outra vez! No auge do monte onde o bonde perde por completa a razão, pergunto-lhe uma por vez. Porque fazes acordo com o Mago se não podes cumprir? Não te sentes seguro ante a vertigem? Acaso fui eu que te procurei, ou ao contrário, foste tu que vieste a mim babando, intocável rei?

FREDER PAZ
   Não apertes tuas unhas vorazes contra minha pele! Enojas-me! Oh espírito libidinoso que levantaste em mim tais hediondos desejos, por que deixas-te que se aproximasse de mim tal egoísta criatura? Não me alertaste que ela se alimenta da desgraça e se ceva com destroços?

CATARINA HELM
  Terminou!

FREDER PAZ
   Que caiam maldições sobre ti por toda eternidade!

CATARINA HELM
   Não posso no julgamento da inútil fazer parte. Salva-a! quem a colocou nesse abismo, eu ou tu?

(Freder olha em redor com rancor.)

   É justo que tais decisões não tenham sido dadas aos tolos tripulantes! Destroçar uma inocente que encontra por ai, isso é arte para renomados tiranos, quando querem livrar-se da terna bondade.

FREDER PAZ
   Leva-me até ela! Onde é a nefasta sala?

CATARINA HELM
   Pensas no perigo a que te expões! É preciso que saiba que ronda pelo navio, na nobre tirania, rumor que és hábil em estratégia e desejas a ordem mudar. Quer a todos tua sabedoria impor!

FREDER PAZ
   Não me importa mais que redundam essas palavras a tanto execradas. Conduze-me até lá!

CATARINA HELM
   Conduzo-te!, contanto escutas o que devo fazer! Tenho eu muito poder sobre o céu e a terra nesse barco. Ao guarda da porta pretendo seduzir, seus sentidos são tolos e será fácil o redimir! Entras com calma e conduz a jovem educadamente para fora, para que possam conversar. Os pós mágicos estão prontos e vos guiarei! É tudo que posso fazer.

FREDER PAZ
   Vamos daqui e rápido!







NOITE.


EM PLENA PRAÇA TUNÍSIA.



Freder e Catarina caminham pelos corredores até os negros aposentos do Security Office.



FREDER PAZ
   Parece um prostíbulo! Por que ao redor tanta gente?

CATARINA HELM
   O que compreendes disso? Aqui o meu coração já ferve!

FREDER PAZ
   Sobem e descem; se inclinam e rumam capciosamente!

CATARINA HELM
   Intensa drogaria! É o centro do feitiço!

FREDER PAZ
   Algo refina e consagram de forma extravagante!

CATARINA HELM
   Passemos rápido! Adiante!







CÁRCERE


EM CARTAGO.



Do Desembarque.


FREDER PAZ (no corredor em frente á sala de reuniões onde se encontram Verônica, os oficiais e o capitão.)
 
   Essa desgraça em volta desatina
   Atrás da parede alguém domina
   Numa cela doentia onde da vida arruínas,
   Hesitas a buscá-la! mesmo sendo o crime dela fantasia!

                  (segura o trinco e escuta do interior)

   Esse navio, senhor tratante,
   Minha alma destroçou!
   Em terra fria eu era serena!
   Vivo agora como se cumprindo pena.
   No mar, à proa, no mar!
   Nos intervalos a me revoltar.

FREDER PAZ (entrando na sala)
   Não quero levem-me á suspeita,
   Estou aqui, aquele que há meses o senhor espreita!
   Que as correntes façam ruídos,
   Mas desejo ser ouvido!

VERÔNICA (escondendo o rosto com suas mãos)
   Terror! Já vêm! Mas que desembarque amargo!

FREDER PAZ (suavemente)
   Calma e em silêncio venho somente chamar-te,
   Quero te livrar disso, e uma oportunidade dar-te.

VERÔNICA (estorce-se na cadeira)
   Por que se compadece com tanta compostura?

FREDER PAZ
   Despertas assim os risos desses guardas da corte!

(tenta levantá-la puxando-a pelas mãos)

VERÔNICA
   Quem te deu tão alto poder
   Sobre o meu pobre ser?
   Buscar-me ao meio-dia!
   Apieda-te e deixa-me ficar,
   Em pleno alvorecer, não poderei desembarcar!

              (levanta-se)

   Sou tão jovem e querem-me descer!
   Não me agarre assim, com força, com mãos pesadas!
   Fiz mal? estou tão arrependida ao erro alada!
   Não faça-me que implore em vão e amargura,
   Não lembro-me jamais ter visto tua figura!

FREDER PAZ
   És minha conduta suportar tua postura!

VERÔNICA
   Entrego-me vencida e não tenho esperança.
   Contanto dizem que é só do início a lança,
   Nunca mais no mar, trabalho eu terei!
   Gente má a perseguir-me, o sei.
   Quem aplica a mim?

FREDER PAZ
   Escuta-me e saias desse choque!
   Venho levar-te da dor e desse cativeiro,
   Antes fosses dos nobres nalgum veleiro!

VERÔNICA
   Oh, deixa-nos de joelho!
   Invoco e louvo ao Altíssimo primeiro.
   Abaixo dos pés estive observando da soleira,
   Fervem e borbulham nesse inferno a poeira!
   É o infernal demônio, distribuindo o pó medonho.
   Furiosos e terríveis, fazem algazarras incríveis!

FREDER PAZ
   Verônica! Oh, Vero!

VERÔNICA
   É a voz dele, tão alta e querida!
   Onde está? Eu ouvi me chamava!
   Liberta, estou livre!
   Como me levaste do catre?
   Quero enlaçar-me em seus braços,
   Voar pelos sete mares,
   Em seu peito o meu peito descansará!
   Disse ele Verônica.
   Estou disposta, aqui e Vero,
   Em meio do clamor e infernal zombaria,
   Entregar-me ao doce amargo, atroz ironia!

FREDER PAZ
   Sou eu!

VERÔNICA
   És tu! És tu! Dize-mo de novo!

                            (abraça-o)

   Afasta o sofrimento, o horror à prisão!
   Vieste enfim! livrou-me da tormenta.
   Acaso sem receios, pega-me e violenta!
   As ruas árabes já enxergo lá embaixo,
   Onde a primeira vez esbarrei-te de repente.
   E os camelos tão risonhos,
   Venho em mente,
   Lascivo e repuxo
   Sonho!

FREDER PAZ
   Vem comigo! Vem!

VERÔNICA
   Aguarda e te detém,
   É um prazer esperar quando esperas.

                    (acaricia Freder)

FREDER PAZ
   Devemos apressar!
   Senão teremos um castigo guardado!

VERÔNICA
   Como? Não sabes mais beijar-me?
   Não queres mais amar-me!
   Por que terias receio junto a ti
   Que todo o céu junto a mim eu vi?
   Agarrava-me então quase a sufocar.
   Abraça-me,
   Enlaça-me
   Senão o faço eu!

                   (abraça-o)

   Que lábio frios de horror!
   Muitos gelados, estarias transtornado?
   Quem arrebatou o teu antigo calor?

                    (afasta-se dele)

FREDER PAZ
   Vem! Segue-me e não tenhas medo.
   Mil vezes te quero com profundo credo!
   Acompanha-me logo, não vês que te rogo?

VERÔNICA
   Não te reconheço mais com certeza!

FREDER PAZ
   Sou eu! escuta-me com clareza!

VERÔNICA
   Liberta-me das velas desta prisão.
   Podes-me aconchegar em tua ilusão?

FREDER PAZ
   Vamos que a noite densa já clareia!

VERÔNICA
   Por que tuas mãos estão umedecidas?
   Se não estou enganada, vejo-as mordidas?
   Ah Deus!, que fizeste! Horror!
   Recolhe a tua espada, peço-te, por favor!

FREDER PAZ
   Esqueces o que ficou para trás.
   Assim me obrigas ficar sem paz!

VERÔNICA
   Não! não deves descer!
   Ninguém mais ficará assim perto de mim!
   És como se me expulsasses da tua companhia,
   Mas por baixo ainda reconheço-te, terna energia!

FREDER PAZ
   Se nota que sou eu, então vem agora!

VERÔNICA
   Queres levar-me para fora?

FREDER PAZ
   Sim. Para a liberdade!

VERÔNICA
   O mundo árabe está espreito e escuro.
   Vais embora? Oh Paz! É atroz deixar-te!

FREDER PAZ
   Poderás, se o desejas! A ponte está aberta!

VERÔNICA
   Não deverei sair. Não terei mais futuro.
   Daqui fugir, isto é inseguro!
   Oh miséria sem fim, vagar em terra estranha!
   Oh miséria profunda, mendigar à gente imunda!

FREDER PAZ
   A teu lado prosperarei!

VERÔNICA
   Figura-te! Há com quê salvar-te?

FREDER PAZ
   Desse sonho de barco desperta!
   Um passo a mais e estarás liberta!

VERÔNICA
   Vejo-me sentada a mão sobre um rochedo;
   Sinto um calafrio que me revolve a sanha!
   A cabeça pesa, tenho eterno medo!

FREDER PAZ
   Sou forçado a tomar-te então com violência!

VERÔNICA
   Deixa-me, não e não! desprezo a força e o abuso!
   Não pega-me assim, tal fosso criminoso!
   Outrora não te deste amor, libidinoso!

FREDER PAZ
   Começa escurecer, querida! Vem, querida!

VERÔNICA
   Cada dia surge a aurora ardente como todas.
   Não digas a ninguém que conheceste Verônica.
   Ver-nos-emos ainda o creio em silêncio.
   Lá embaixo a multidão comprime-se
   Em praças e ruas o comandante redime-os.
   Bombardeios irão, até quando os conterão?
   Tudo me alucina e devo ao corpo render,
   O mundo, qual sepulcro, é indiferente e mudo!

FREDER PAZ
   Ah antes eu nunca tivesse subido!

CATARINA HELM (surgindo do lado de fora)
   Vamos embora daqui já! Senão estás perdido!
   Os ares da aurora aparecem
   E nos mares descerra!

VERÔNICA
   Quem se ergue da terra?
   É ela, é ela! Manda-a embora!

FREDER PAZ
   Deves viver!

VERÔNICA
   A justiça do navio ora me entrego!

CATARINA HELM (para Freder)
   Ou vens agora ou deixo-vos, os dois!

VERÔNICA
   A Ti pertenço fastidioso Mar!
   Qual vós anjos das cabines a limpar.
   Em derredor protegei-me e guardai-me!
   Freder, eu te contemplo, agora horrorizada!

CATARINA HELM
   Ela foi deixada!

VOZES VINDAS DO ALTO

Abandon ship! Abandon ship!


CATARINA HELM (para Freder)
   Vem comigo!

                       (desaparece com Freder)

VOZES (de dentro, sumindo)
Freder! Freder!

 



 

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 tunis
 tunis
 Tunisia

 la Medina - Tunisia



 Tunisia

 tunes -tunisia - afric


Tunisia - Afrique du Nord

Tunisia - Afrique du Nord

 

 o autor, Chaplin e o garoto. Túnes - Tunisia.

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EXTRAS.




rotina infernal soberana: eu, Justos e o wine seller

 comemorando reveillon 2010

à mesa os milagres: temporada Europa 2010




FIM


sábado, 19 de março de 2011

NOITE DE WALPÚRGIS - Broadway



A NOITE DE WALPÚRGIS


                                                        O espetáculo no Salão Broadway do navio está sendo montado. Presentes Freder e Catarina.



CATARINA HELM
   O palco ainda está longe!
   Estes caras trabalham feito monge.

FREDER PAZ
   Imenso prazer inspira tais estréias,
   Porque, do nosso ser, somos platéias!

CATARINA HELM
   Para dizer-lhe a verdade, nada disso me interessa!
   Do meu corpo domina uma permanente pressa.
   Desejo ver na entrada a neve, o gelo eterno!

   Como alça medonhamente o holofote ao teto.
   Reflete muito mal e no palco é reto.
   Esbarra num entrave ou nalgum difusor,
   Deixa-me que avise o nobre produtor:
   - Ei, amigo! Acompanha-nos daqui convido-o,
   Por que brilhas em vão pelo palco como borracho?
   Que segue uma luz difusa, está feio, acho!

VOZ DE AVISO
   Céus! Tudo faça para que o vejamos iluminado!
   Dança de luz componho, e não as tenho no tablado!

CATARINA HELM
   Boçal, viste, comporta-te direito!
   Trata quem avisa com mais respeito!
   Bem saiba que sou senhora desses lares,
   Posso te conduzir humilde pelos ares!
   Esteja certo de que não quero humilhá-lo.

FREDER, CATARINA, VOZ DE SEGURANÇA (falam alternadamente)
   Nas esferas de sonho vamos ao palco criá-lo.
   Conduze-nos e orienta para que forte sigamos.
   Ostenta que o céu, do espaço vazio, logo o tornamos.

   Na frente vejo árvores, só árvores!
   Sublima atrás os pontiagudos rochedos,
   Traz ao conjunto do palco graves entraves.

   Como roncam e zunem crescendo os medos!
   Lindos rios, ouço o som dos riachos,
   Doces mortais, são vozes celestiais!
   O canto refaz ecos de outrora. Escutamos.

   Estão todos despertos?

   Multicores multidões de zoadores,
   Correm na lama feito os insetos roedores!

   Mesmo assim os espaços vão se enchendo,
   Que por vos tenho laços; amor tremendo!
 
   Nessas alturas achas que é bom parar?
   Ou se agita em volta e vibrando queres avançar?

CATARINA HELM
   Posso ver com euforia e manha,
   De Mammon o meu seio olhar da poltrona!

FREDER PAZ
   Dos despenhadeiros, nas profundas entranhas,
   Reflete-se e rebrilha ardente a toda hora.
   Surgem chamas de fumo; afloram brumas,
   Que lhe brotam os sumos; exalas á amora!

   Une-se novamente em pequenas convulsões,
   Olha além! No fundo se incendeiam ternas ilusões!

CATARINA HELM
   Oh grande rei Mammon, eis o teu palácio adorado!
   Pressinto que ali entra um tripulante agitado.

FREDER PAZ
   Em incontido alvoroço, golpes vem aplicar ao moço.

CATARINA HELM
   A nuvem escurece ainda mais a peleja.
   Escuta como estalam nas colunas!
   Galhos tremem e quebram, aquele planeja
   Apavorar com grunidos ao dançarino em plumas!
   Enroscam-se ao cair, e nas grutas sombrias,
   Ouço vozes que vibram em ventanias.
   De certo, é um Alto desconcerto!

VOZ DE AVISO
   Ao inferno com pressa!
   Arranharam-se todos, ora essa!
   Por que tanta confusão e tamanha agitação?
   Todos! ai rastejando como caracóis,
   Abrandem esses nervos ou estareis em negros lençóis!

   Quem do abismo vos chama assim em sobressalto?

   Quem até hoje a torre elevar-se não pode,
   É porque merece continuar no chão, feio e podre!

   Não tenho mais sossego!
   A droga dá coragem para qualquer farrapo.
   Logo essa embarcação será um trapo.
   Quem hoje não sair, não terá nenhum arrego!

CATARINA HELM
   Isso tudo me empurra, atrai, estonteia.
   Brilho, rebrilho, revolve-me; a confusão me incendeia!

   Agarra em mim! senão no separamos!
   Onde mesmo estamos?

FREDER PAZ (distante)
   Estou aqui? Vamos! Vamos!

CATARINA HELM
   Afasta gentalha! Fora! Agarra em mim agora!
   Convém não expor-me ao pêlo.
   Fujamos já desse atropelo!
   Sinto estranha atração por aquele boçal.
   Vem, vem, deslizemos devagar adiante!

FREDER PAZ
   É estranho que na Noite de Walpúrgis nos alcemos.
   Por aqui, por prazer, calados restemos!

CATARINA HELM
   Contempla ao longe as chamas coloridas,
   Unir-me em público, foi-me sempre a saída!
   Nunca se está sozinho, enquanto em mim se junta.

FREDER PAZ
   Daqui já vejo os brilhos; as espirais do fumo.

CATARINA HELM
   Fiquemos aqui em sossego profundo.
   Grandes e pequenos hão gerado,
   Vejo-os todos nus, atrelado
   Até às velhas astutas, muito cruas!

   Sê bondoso e agora atende o meu pedido:
   Um pouco de esforço a farra,
   Ouça o som do instrumento,
   Em alarido, em algazarra, agarra-me!

   Convém acostumar-te,
   Vem comigo e já, não haverá outro meio!
   Vou à frente e oriento e vai deliciar-te.

   Que dizes, tu, amigo?
   Haverá no mundo algo melhor?

FREDER PAZ
   Vais agir como mágica ou como demônio?

CATARINA HELM
   Em dias de gala costumo ser o pandemônio.
   Bem lenta e tateante algo em mim tem que fareja;
   É impossível negar-me; manter-me em recato à cereja!
   Vamos, da fogueira nós coramos!

(dirigindo-se a alguns sentados nas poltronas fumegantes)

   Oh senhores senis, tão tristes e decadentes,
   Muito vos trataria se estivésseis contentes!
   Mas em companhia de ardente juventude,
   Nada de ficar em cabine: no convés há muito mais virtude!

CAPITÃO
   Quem pode confiar nas monções,
   Por elas se hão sofrido tais provocações!
   Com tripulantes ter prestígio – a falar a realidade –
   É dentre as mulheres, a que ages com mais promiscuidade!

SECURITY OFFICER
   Estamos em dias distantes do direito,
   Completamente destituídos da razão.
   Lembro dos tempos de outrora, da emoção.
   Bem outro era o valor, e maior o nosso conceito!
   Venturosa e desdenhosa! És formosa a gostosa.

FIRST OFFICER
   Não éramos tão loucos quanto queríamos.
   Às vezes sem querer coisas tais fazíamos.
   Hoje é tudo desordem e devassa indisciplina!
   Sigamos assim: das drogas até as ruínas.

AUTOR
   Quem lerá hoje esse desdém rimado?
   Não me pareço sério e nem bem ornado.
   E a cara juventude, em tudo que se empenha,
   Mostra-se sem interesse e também pretensiosa!

CATARINA HELM (anda como se fosse uma velha)
   Para o Juízo Final estamos imaturos.
   O mundo vai assim, velho e seguro.

   Há taças que servi bebidas venenosas,
   Que lábios sorveram-me em babas pegajosas.
   As jóias que suas esposas perverteram,
   Aqui no meu corpo abateram!

   Somente a novidade atrai os velhos, e os porcos!

FREDER PAZ
   Não percamos tempo com toda essa asneira!

CATARINA HELM
   Tu julgas arrastar, mas és sempre arrastado.

FREDER PAZ
   E quem é aquela?

CATARINA HELM
   Quem observas é Lolita, a bela!

FREDER PAZ
   Quem?

CATARINA HELM
   A primeira puta do oficial Adão!
   Observa o primor de seus encantos:
   Belos e encaracolados cabelos são
   A tortura ao homem em sobressaltos!
   A adornam até luzir, e ela continua a seduzir.

FREDER PAZ
   E essa velha e essa jovem, aqui sentadas.
   Vê-se que ambas são muito bem tratadas!

CATARINA HELM
   Essa embarcação tornou-se desassossego, perdição!

FREDER PAZ
   Dois colares nela brilhavam,
   Atraiam-me e me tentavam!

A BELA
   À jóia te seduz desde os tempos do Paraíso!

CATARINA HELM
   Até mim mesma me aprazia.

A VELHA
   Isto é uma afronta de permissividade!

CATARINA HELM
   Aquieta-te! que não tens mais idade!

HOTEL MANAGER
   Que ruídos são esses dessa maldita!
   A ti hei provado não faz muitos meses.
   É impressionante como a todos se atreves.
   No entanto transas bem, dos pés à lambida!

A BELA
   Que desejas essa intrusa em nosso baile?

FREDER PAZ
   Ela é onipresente, está em todo o barco!
   Costuma estimular com tal arco,
   Arte, trejeitos e danças em xale!

   Às vezes é hostil se rápido avança,
   Com todos em seu moinho prende e lança!

   Assim, mesmo que desgosta e acha não estar bom,
   Aprecia homenagens todas em alto tom!

HOTEL MANAGER
   É espantoso o quanto gozemos.
   A diabólica é infensa à disciplina.
   Também és dos espertos e doentes, sabemos!
   Tamanhas ilusões quase nos jogam à ruína.

A BELA
   É hora de parar! Está a incomodar-nos!

HOTEL MANAGER
   Minha posição não permite tal impostura.
   Logo farei a viagem divertida,
   E para os poetas e diabos não haverá saída!
   Pertenço, sem dúvidas, a outro tipo de cultura.

CATARINA HELM
   Lembras de como costuma aliviar-se em minha cama!
   E de sanguessugas foi-se o espírito limpando.
   Ficavas gritando e lambuzando-se em minha lama.
   Agora desfila com a mocinha ao lado,
   Sempre soube, nunca deixarias de ser tapado!

FREDER PAZ
   De sua boca se lança um morganho irado!

CATARINA HELM
   Quem pergunta por isso em horas de luxúria?

FREDER PAZ
   Digo-te mais: nunca hei visto!
   Poderia ter um pouco mais daquela miragem?

CATARINA HELM
   Inalar de novo agora não convém!
   Se teu sangue gela poderás transformar-te em granito.
   Nunca ouviste falar de tamanha overdose, acredito?

FREDER PAZ
   Falta lhos luz da vida...
   Chegaria a ver; tocar Verônica.

CATARINA HELM
   Tolo impressionável! Enxergas do pó miragem!

FREDER PAZ
   Não posso desse olhar libertar-me um momento!
   No pescoço és adornada, feito fio de lamina aguçada.

CATARINA HELM
   Sempre há prazer em contemplar a menina.
   Vamos que te levo do corredor à cabina!
   Adocemos no prazer a doce paragem,
   Pois ilusões ou não, estamos no teatro!

SECOND OFFICER
   Iniciemos o ato final, dos sete, o derradeiro!
   É costume daqui mirar-se o programa inteiro.
   São mesmo tripulantes a representá-los!
   Senhor, perdoai! Retirar-me preciso.
   A mim produz prazer subir o pano,
   E o faço em um segundo.

CATARINA HELM
   Façam sobre o palco e no fim encontrai-vos.
   Esse é o nosso próspero mundo!







SONHO DA NOITE DE WALPÚRGIS



                           Na sala de espetáculos Broadway, entradas pelo quinto e sétimo deck. Apresentação de alguns tripulantes.




CRUISE DIRECTOR
   Caros, sois todos convidados,
   Enfim, este é o circo armado!

BEAUTY SALON MANAGER
   Procuram-me querendo vossa aparência melhorar,
   Mas o que me interessa é o ouro-de-tolo vos levar!

CASINO CROUPIER
   No black jack ou com o rei,
   As fichas todas para banca retornarei!

CASHIER
   Já venham com o dinheiro trocado
   E os bolsos em torno arrastados!

SOCIAL HOSTESS
   Os caras feios causam espantos
   Quando para mim olham demais!

DISC JOCKEY
   Tocar psy não aguento mais
   Para que dois se amem: um bom samba!

FITNESS INSTRUCTOR
   Agarrai-vos com força de arromba,
   E assim levantam os pesos a valer!

CHIEF ENGINEER
   Conserto máquinas, mas sou musicista!

CANTOR
   Pois todos aqui não passam de artistas.

DANÇARINO
   Alguns com mais poesia, certo,
   Enquanto outros dão azia de perto!

MÚSICOS DA BANDA
   O que aqui tocamos são coisas de aprendiz,
   Interessa-nos mesmo ir para Itália com a meretriz!

PIANISTA
   Pura má sorte que vos arrasta,
   Já que são todas degeneradas!

VIOLINISTA
   O compasso conserva em regra!

GIFT SHOP MANAGER
   Atendo aos jovens belos cada qual
   Cheios de bolsas e esperanças, sem tonal!

CHIEF HOUSEKEEPER
   Da suas cabines ao despertar
   Pro inferno vou fugir!

HEAD ROOM STEWARDESS
   Uns insetos parecemos!

DOUTOR
   Olhai-vos em confusão
   Quem tem um bom coração?

ENFERMEIRA
   Entre bruxas tão confusas
   Tenho o prazer em perder-me!

PHOTOGRAPHER
   Esse homem que agita,
   Qual o nome do orgulhoso?

OS ESPERTOS
   Fazemos á máfia nas águas puras.
   Homens devotos sem tais ternuras,
   Aos revoltos somos estranhos,
   Sem perguntar nos afrontam como diabo
   E vamos levando sem tais banhos
   Ao certo hoje sou louco e me acabo!
   A existência nos desgosta
   Sois todos a mesma besta
   E na vida é a prima volta
   Que nos pés não nos firmamos
   Quando o mar se pega em revolta
   É cada qual no seu canto sem tino!
   Quê, prazer aqui? – um sonho!
   Que me alegro nesses ritos
   Vemos existência no demônio
   Isso aqui é dos bons espíritos o riso!

OS INERTES
   Das calmarias seguimos o rumo,
   Logo mais aqui vos aprumo!

OS MASSAS BRUTA
   Oh diletantes malditos,
   Um pouco de trabalho mal não faz aos mosquitos!
   Pareceis até os musicistas!
   São pessoas que espairecem,
   Dos pés não mais obedecem,
   Sobre nossas cabeças, os tais artistas!

MAESTRO
   Verdade seja dita: bons pedaços comemos.
   Contanto não fomos bem nascidos,
   E nesse círculo infernal comporemos
   Belas trovas de muitos já esquecidos!

ORQUESTRA
   Espaços em redor, muito espaços desejamos!
   De mais leves espíritos nos privamos.
   Aclara a densa neblina
   A nuvem negra se esvaece
   O do que mesmo disso gostaríamos
   É que dos tripulantes, ninguém
   Depois desses bufantes
   Deixe essa sala ileso; do mais nos esquece!

   Canto o vento pelo casco
   E tudo fica em riso ou asco!

   É assim a vida de barco.

   Amem mar!




...

sexta-feira, 18 de março de 2011

NAPOLI - Italia



NAPOLI


POMPEI – Mons Vesuvius


Missa, órgão e canto.



ESPÍRITO MAU
   Qual sangue rubro a manchar a tua porta,
   É de ti sofreguidão? Essa gente em pedra, morta!
   Eras inocente, Verônica, oh quanto oravas!
   No momento vejo-te errar entre as lavas.
   Onde tens o pensamento?
   Nossa alma, Vero,
   Como o calado Vesúvio,
   Dorme em silencio enquanto respeitamos
   Os mandos divinos. Contanto, se caso o renegamos
   Treme e explode, num momento o terror eclode!
   Não minha querida, não te apavoras!
   Vejo somente feridas e choras.
   Contudo pense nessa cidade,
   Que desenvolvida foi-se em calamidade!
   Esqueci-te por um segundo, pede a Deus.
   Que escuta a todo mundo, ao menos os seus!

VERÔNICA
   Dor! dor!
   Quisera libertar-me desses maus pensamentos,
   Que me esmagam o coração em eternos tormentos!
   És culpa minha essa devastação?


Dies irae, dies illa.


ESPÍRITO MAU
   Dessas cinzas surjam as chamas,
   Soe as trombetas nas alturas,
   Ao suplício não te entregas,
   E no teu coração, qual Terra, trema em eclosão!


Nil inultum remanebit.

VERÔNICA
   Sinto-me sufocar!
   Essas colunas em redor, que horror!
   Os fornos, o bar, as ruas, as gentes pedras,
   Necessito sair, senhor, quero ar!

ESPÍRITO MAU
   Até quando queres esconder-te dos teus crimes?
   Finge, mas quanto ocultas; suprime desejos sublimes.
   Pobrezinha! Melhor vestirias de fera.
   Revelá-te no vulcão obscuro ou irá voar pela atmosfera!


Quid sum miser tunc dicturus?


ESPÍRITO MAU
   Os anjos desviam de ti o olhar.
   Não se enternecem mais ao vê-la passar.
   Deverias, de antemão, em joelhos nessas pedras rezar!


Quid sum miser dicturus?


VERÔNICA
   Estrangeiros! Estrangeiros!
   Por favor, chamem-me os enfermeiros!

                         (desmaia)




...

quinta-feira, 17 de março de 2011

CIVITAVECCHIA - Roma, Italia.



PORTO DI CIVITAVECCHIA


EM ROMA.



BASILICA SAN PIETRO


FREDER PAZ
   Estranhas visões em chamas inalaram.
   Deste-me a natureza de senti-la. Extravasaram,
   Em mim, as relações de realidade enfim!
   Contanto só posso apreciá-la; tê-la fria.
   Assinaste algum contrato da riqueza à nostalgia?
   Conduz-me a caverna secreta e duradoura,
   E diz-me o que sou. A quero tão mau! estoura
   Daqui uma maldição onde estaria a eterna contemplação!

                              (fazendo referência a Catarina)

   Agora percebo, nada é dado perfeito
   Ao teu prazer adorável contanto estreito!
   Elevou-me antes aos deuses, contida atração,
   Tornaste fria, atrevida, horrenda, miserável.
   Os meus nervos me anulam. É da alma a lição!
   Que em idéia sinto o fogo inefável,
   E tenta-me com a imagem da beleza.
   Oscilo do desejo ao gozo em natureza; desgosto!

CATARINA HELM
   Da vida cansaste de provar? Que será da tua existência
   Sem beber da minha experiência? Quer outros doces;
   Novidades procurar? Quem sabe ao mago fosses?

FREDER PAZ
   Por que não deixas de ser vadia
   Em vez de perturbar minha afasia?

CATARINA HELM
   Não expressas a verdade! Enquanto
   Nas mãos cheias posso servi-lo.
   Tudo que te agrada e te faz encanto,
   Pode tê-lo depressa e no nariz cheirá-lo.

FREDER PAZ
   Queres que agradeça a tantos desprazeres?

CATARINA HELM
   És ingrato! Não lembras quanto teve em meus lazeres?
   Do jubilo fastidioso de tua fantasia,
   Dei-lhe a cura e a alegria, em demasia!
   Por que chamas o abismo;
   As escarpas do rochedo?
   O velho em teu corpo ainda jaz, cismo! Credo!

FREDER PAZ
   Sabes tu as forças quais
   Estes teus remédios me traz?
   Adorada transformação que se sentiste,
   Deixar-me-ia restar em respeito, sem riste!

CATARINA HELM
   Prazer supraterreno e nele enfim fartar-se!
   Do éter em moléculas, a tudo abraçar-se,
   Tudo em volúpia e sereno, inspirado, em voltas.
   Gozar com força e orgulho, coisas estranhas, atas,
   Solve-se no todo e em tanta fantasia és profundo,
   Deixar desaparecer que é filho deste mundo...
   E então a intuição, a alta intuição...

                              (faz um gesto de maestro)

   Não saberia mais expressar-me. Tomeis-vos a conclusão?

FREDER PAZ
   Vaias para ela! És insossa e medonha!

CATARINA HELM
   Nunca aqui estive para agradar.
   Porém, não entres em apuros,
   Dizer ante os ouvidos tão puros
   Que, os castos corações, iriam dispensar!
   Podes, nesta ocasião, mentires a ti mesmo.
   Já te vejo de novo conturbado:
   Na loucura do medo, estupor, abobalhado.
   Já chega! Tens ai o teu amorzinho,
   Que por ti sente um amor grandioso,
   Mas transforma logo esse carinho,
   Antes que seque por ti o gozo.
   Essa pobre, afável, tão modesta, vive dia e noite
   A cantar, sem saber que sua ambigüidade clama ao açoite!
   Contudo é sempre amorosa...

FREDER PAZ
   És muito víbora! Sua serpente!

CATARINA HELM
   Ah agora percebo! Isso, à mesma, o sente.

FREDER PAZ
   Vagabunda, vai-te embora!
   E não cites o nome agora, és imunda!
   Não tentes volúpia, sua imagem vazia!
   Minha alma já está, em ti, tamanha a apatia.

CATARINA HELM
   Qual é? Ela já pensa agora que tu não existes!

FREDER PAZ
   Quando penso em seus lábios, doces palpitantes,
   De Deus sei: ela não está distante!

CATARINA HELM
   Sois gêmeos! Lindos! Que pastem pelos matagais.

FREDER PAZ
   Fora, prostituta disfarçada!

CATARINA HELM
   Ao teu insulto dou risada.
   Avante vais! Procure a cama da florzinha.
   Dos que buscam a morte da alegria que tinha!

FREDER PAZ
   Acalentar-me há em seus seios profundos!
   Tirar-me da angústia que me toma, qualquer dos mundos!
   Sem paz jamais na alma, em total cataclismo,
   Lançado furioso em direção do abismo!

   Entretanto ela, os sentidos em calma,
   Juvenil, sobre suave campina, sempre vil
   Nos trabalhos que domina. Ao humilhado espalma!

   Quando eu de Deus sou acaso.
   Tu, inferno, terás mais esse tormento,
   Demônio, o que há de acontecer, aconteça logo!

CATARINA HELM
   Como de novo ferve, de novo se inflama!
   Consola, tolo, a jovenzinha vem a ser ama,
   Porque teu crânio, saída não há encontrado.
   Vive o que é forte, o audaz impera!
   Somos por demais iguais, a isso não superas.
   É belo do homem o que tem de verdade,
   Se me queres, cata-me sem mais alarde!






NA CABINE DE VERO



VERO
   Nunca mais terei paz,
   Sou todo um coração a sofrer.
   Vem cá, meu nobre rapaz,
   Sou tua inteira a tremer.

   E caso nunca mais o tenha,
   Com conversa enlutada, não me venha!

   Minha pobre almazinha transtornada,
   Vive então do estraçalho adornada.

   Vem cá meu nobre rapaz.

   Fico pela escotilha a fitar
   Vou-me embora, vou-me embora!
   Com ele desejo me deitar.

   Sou tua inteira a tremer.

   Imponente figura de tão nobre semblante
   De seus olhos a doçura suga-me num instante.

   Sou todo um coração a sofrer
   Nunca mais terei paz

   Na palavra me trouxe até a sensação.
   Do beijo, tão doce, me fez pura emoção.

   Sou toda mão a chorar!
   Bem quisera abraçá-lo
   Nunca irei abandoná-lo

   Nunca mais terei paz
   Vem cá, oh nobre rapaz!

   Vou trepá-lo tanto, tanto,
   Tanto, tanto quanto almejo,
   E, de ti, saciar-me em eterno lampejo!

   E caso nunca mais o tenha,
   Com conversa enlutada, não me venha.

   Pois o vou fazer tanto,
   Tanto, tanto, tanto.







NA CAPELA SISTINA



(Verônica, Freder.)


VERÔNICA
   Promete, com vigor te imploro!

FREDER PAZ
   Se eu puder, por que não?

VERÔNICA
   Sei que és homem honesto; de boa índole,
   Mas da religião não dás importância, deploro!

FREDER PAZ
   Sentes que te adoro e, por ti, sacrifico corpo e sangue.
   Ouças: jamais ninguém tirarei da fé, mesmo exangue.

VERÔNICA
   Assim não vai bem. È preciso ter fé; crença.

FREDER PAZ
   Faz tanto assim diferença?

VERÔNICA
   Gostaria de ti aplacar os tormentos.
   Não veneras sequer estes santos ornamentos?

FREDER PAZ
   Venero, como dizes que não?

VERÔNICA
   Fazes por pura arte! Aos mandos santos
   És indiferente. Acaso crês em Deus?

FREDER PAZ
   Creio no Deus dos sábios.
   Sua resposta é a benção; esvai-se em falsos lábios!

VERÔNICA
   Então não crês! Oh, jura!

FREDER PAZ
   Não podes compreender, doce criatura.
   O que o Todo fez, a si mesmo não alenta.
   Mergulho meus olhos nos teus olhos puros,
   Pára o coração tão brando ao teu rosto lindo,
   Não és, tu mesma, o mistério intraduzível?
   Que vais do tocável ao invisível?
   Quanto te sentes fartar em beatitude
   Dá-lhe o nome que quiseres:
   Divindade, espírito, infinitude!

   Não dou nome algum,
   Não necessitas de nenhum.

   O nome é apenas um som
   Que esvai-se em seus vapores.

   Enquanto encobrem dos céus seus melhores valores!

VERÔNICA
   O que dizes soa belo! Muito bom.
   O pároco o faz, mas sempre em outro tom!

FREDER PAZ
   Todas as vozes a luz celeste abarca!
   Porém algumas têm da pureza a marca.

VERÔNICA
   Ouvindo-te expressas com muitas razões,
   Mas não há cristianismo em tuas lições.

FREDER PAZ
   Que adorada lembrança.

VERÔNICA
   Há muito me agonia
   Ver-te no navio em tão má companhia.

FREDER PAZ
   Como assim?

VERÔNICA
   A mulher que está sempre ao teu lado,
   Tenho-lhe tanto rancor! Por toda minha lida
   Atrelada, não posso desviar-me de intenso furor!

FREDER PAZ
   Afasta-te desse terror!

VERÔNICA
   Em geral aos seres estimo e respeito,
   Assim como agrada ver-te e te mirar,
   Mas dela tive um horror, suspeito
   Que me parece perigosa só de olhar!

FREDER PAZ
   No mundo sempre há vadias assim.

VERÔNICA
   Não queira me ver com gente tão ruim!
   Olha sempre a zombar; ares de louca toma.
   Na face exibe os traços, todo nela se assoma
   Que nenhuma alma humana ela é capaz de amar!
   Assim como me sinto feliz em teus braços,
   A diabólica parece que se usa de todos os laços,
   Que sua presença me aperta do coração ao mar.

FREDER PAZ
   Tens, como os anjos, bom pressentimento!

VERÔNICA
   Quando ela caminha e passa a olhar-nos,
   Parece que não mais te amo e algo vai separar-nos!
   Próxima disto, orar não mais consigo.
   Pergunto-me se isso irá acontecer contigo?

FREDER PAZ
   Tenho por ela secreta e profunda aversão.

VERÔNICA
   É tarde, vou-me embora!

FREDER PAZ
   Nessa redoma de imenso afresco,
   Pergunto-te: jamais repousarei em tua cabine?

VERÔNICA
   Ah se eu dormisse a sós!
   À noite estaria aberta,
   Mas se hoje estivesse em minha companhia,
   Não poderia esconder-te, na coberta, da tirania!

FREDER PAZ
   Nada disso será preciso! Com as forças da natura,
   Logo estará comigo segura, em outra cama e pura.

VERÔNICA
   Que não faria eu para ser-te agradável?
   Espero que ao esperar, nenhum mal lhe produza!

FREDER PAZ
   Querida, já sou capaz das coisas mais escusas!

VERÔNICA
   Não sei que coisa ou encanto me impele a concordar.
   Por ti hei feito tanto, em verdade não tenho mais como recusar!

                                 (Aparece Catarina.)

CATARINA HELM
   Atrapalho?

FREDER PAZ
   Estás a espionar, descabida?

CATARINA HELM
   Que te faça proveito o teu desejo,
   As mocinhas de hoje querem saber se és perfeito
   À forma antiga. Canta comigo está cantiga: dá-te e está feito!

                               (Verônica afasta-se e sai.)

FREDER PAZ
   Tu não vês, bisca libertina,
   Que essa alma ainda é pura e leal!
   Cheia duma fé real
   Apenas preocupa-se da benção divina.
   E sofre e clama,
   Ao pensar em perder quem ama!

CATARINA HELM
   Oh! Poupe-me e sejas mais sensual!
   Arrasta essa mocinha do modo animal.

FREDER PAZ
   Filha gerada em fogo e devassa cama!

CATARINA HELM
   Meu semblante lhe inspira um mal estar medonho.
   Ela sente que sou um gênio, algum mau sonho!

   Talvez penses, sou o demônio.

FREDER PAZ
   Acaso te interessa o que pensas, o meu sonho?

CATARINA HELM
   Nisso tudo também sinto os meus bons prazeres!

                               (Saem.)







À FONTANA DI TREVI



Estão presentes Angela, uma recepcionista, e Vero, a papear.



ANGELA
   Ouviste o que dizem da bailarina?

VERÔNICA
   Nada ouvi. Não freqüento tais grupinhos.

ANGELA
   Deixou-se seduzir, afinal a menina.
   É o que produz uma educação tão fina!

VERÔNICA
   Como assim, não entendo?

ANGELA
   Comem e bebem a dois, fartam-se à vontade!

VERÔNICA
   Não há nada que os impeçam?

ANGELA
   É bom que isso aconteça,
   Quanto tempo viveu como arrumadeira!
   Agora quando passeia, por todos quer passar por primeira.
   Julgava-se em beleza a tudo inexcedível.
   Vai então sem critério e sem vergonha, é incrível!
   A receber presentes, mimos do capataz!
   Foi-se embora em agradinho, no oficial jaz.

VERÔNICA
   Que pena a companheira tripulante.

ANGELA
   Inda lamentas! Agora é pura amante.
   Enquanto nós nos matamos com a limpeza,
   Os oficiais nos impedindo com dureza,
   Ela está com o amado à vontade,
   No banco, em frente à porta, em sombrias aléias,
   As horas nunca mais longas, e a beleza das atéias!

   Chegada à hora em que deve humilhar-se,
   Corre logo a igreja para penitenciar-se!

VERÔNICA
   Na certa vai casar-se, e assim se recupera.

ANGELA
   Só se fora imbecil, de jovem tão esperto.
   Acharás por aqui muitos prazeres;
   Lazeres, que logo a abandona, visto e certo!

VERÔNICA
   E isso é muito feio.

ANGELA
   Ela o tem novamente, arrancam-lhe a grinalda,
   Que importa? E a transformam em gerente da alta.

                               (sai.)

VERÔNICA (dirigindo-se à fonte)
   Não gosto de julgar com peçonha
   Quando se entrega uma moça risonha.
   Acho do pecado alheio, vago em palavras,
   Insuficientes em meus lábios, não grande erro!
   Benzia-me num gesto grande e medroso
   Contanto estou agora á espera do gozo.
   Mas tudo me levou a esse passo,
   Meu Deus, como é belo, amoroso e devasso!







BASILICA DI SANTA MARIA AD MARTYRES



                                               Em um mural para Santa Maria dos Mártires, cercada de imagens sagradas. Verônica dispõe flores novas num jarro.



VERÔNICA
   Oh Maria ad Martyres,
   Depositas teu olhar em minha ansiedade!

   Com mil dores estou magoada,
   Vês morrer uma filha amada.
   Oh tens piedade do meu suspiro
   Bom e terno suspiro!
   Imploro de ti paciência ao Eterno.

   Ninguém se apraz da alma lacerada,
   Dor que me insegura o peito a tremer.
   Meu coração amedronta-se tanto, tanto, tanto.
   Temo o momento, a dor e ao espanto!

   Somente tu o alcanças e hás de compreender!

   Imploro e choro! Que terror, que dor!

   No frescor da aurora, santo,
   Recolhi-me e toquei-me em canto.

   Mal meu quarto clareava,
   Com tanta aflição no meu seio,
   O sol, bem cedo me amava.
   Já sentada na minha seiva, creio.

   Socorre! Vem salvar-me, oh vergonha, oh morte!
   Inclina piedosa,
   Oh Maria ad Martyres,
   Tua face bondosa em minha ansiedade.

 
 
 
 
 

É NOITE

NO PORTO DE CIVITAVECCHIA




VALENTIM (oficial, apaixonado por Verônica)

   Quando sentava-me em rodas a beber,
   Os rapazes exaltavam e pediam o nome da mais pura.
   Molhavam os elogios com os copos, pode crer?
   Escutava com calma e sem receios toda aquela loucura.
   Então escolhia a mais bela delas e, feito agora, urrava:
   - Que escolha cada qual como quiser! E saltava
   Ao lado da mulher, a mais bela em todo o Oceano.
   Atualmente é somente à Verônica que chamo.
   Saldamo-nos: Topp! Kling, Kling!
   Alguns logo bradam que tenho total razão:
   A Verônica é a flor de toda a tripulação!

   Hoje hei que puxar e arrancar os cabelos,
   Como louco subir a parede em apelos,
   E qualquer vagabundo que a deseja o diz!

   Não posso, todavia, chamar-lhes mentirosos viris.
   Quem vem de lá a estibordo?
   A ele esgano e logo faço fardo.
   Vivo não saíra jamais daqui!

                                    (Freder e Catarina se aproximam.)

FREDER PAZ
   Dissipa em redor tempestade feia.
   Assim o caçador estende a teia.

CATARINA HELM
   Pois eu não temo assim.
   Com meu dorso acaricio a muralha nua,
   Em mim vai tudo bem a carne crua.
   Já me incendeia o corpo a lembrança
   Da Noite de Walpúrgis em toda sua transa.
   Dentro de dois dias restará
   O que se vela a reza colherá!

FREDER PAZ
   E lá na festa teremos esse tesouro,
   Que há pouco vi com ti, branco em ouro?

CATARINA HELM
   Como nunca o viste em tuas mãos!
   Já dei-lhe uma provadela pouco antes.
   Vi vulcões dourados como raposas fulgurantes,
   Tome cuidado! Esse não é para iniciante, não!

FREDER PAZ
   Poderei com o lucro adornar minha bela amante,
   A torná-la de humilde e rala uma elegante!

CATARINA HELM
   Quem sabe o consiga com pérolas.

FREDER PAZ
   Isso é ideal das belas às feras.
   Devo visitá-la e dar-lhe o mimo.

CATARINA HELM
   Escutas com prazer uma obra-prima
   Da arte que te ensino.

                           (canta na euforia do remédio)

   Que fazes a esta hora Catarinazinha,
   Toma cuidado com os excessos na cozinha.
   Qual donzela entrarás, como tal não sairás!

   Sendo tudo consumado, adeus mocinha,
   Se lhe tens tanta afeição, não te entregues ao ladrão.
   Nada dês ao amor que é cedo, a não ser com anel no dedo!

VALENTIM (aproximando-se)
   Que fazes pó aqui? Agora te arrebento?

CATARINA HELM
   Espatifou a cantiga o desvairado.

VALENTIM
   Ficas longe que só entrego esse ao teu lado.

CATARINA HELM
   Estás bêbado, seu tapado!

VALENTIM
   Defenda-a agora então, rapazote?

FREDER PAZ
   Deixas disso e vais curar-te, seu banal.

VALENTIM
   Olhas bem o olho desse oficial
   É o último que verás...

FREDER PAZ
   Acerta!

            (Catarina acerta o homem com um artifício de amarrar navio)

VALENTIM
   O diaba,vejo que tudo se acaba.

CATARINA HELM
   Então dormes em toda massa

VALENTIM (caindo)
   Da bebida foi-se toda graça!

FREDER PAZ
   O idiota terá estrondosa ressaca e nada saberá.
   E nós fujamos a sumir daqui e logo!
   Saio-me bem no ambiente naval
   Mas melhor prevenir, sendo um oficial.

JEDÍ (do sétimo deck)
   Socorro! Homem ao chão!

VERO (da proa)
   Trazei um enfermeiro!

JEDÍ
   Como ofendem e se matam em vão!

POVO
   Aqui há um corpo. Viram?

JEDÍ (saindo)
   Arruaceiros se foram?

VERO
   Quem cai assim no chão?

POVO
   O nosso querido irmão!

VERO
   Oh Deus, que perdição!

VALENTIM (acordando)
   Mulheres, por que tanto choro e tormento?
   Fui atacado e logo rechaçado!
   Vende perto de mim, Vero, escutai o meu lamento!

                   (as mulheres se aproximam em círculo.)

   Minha Veronicazinha, és jovem e sem prudência,
   A vida reges mal, com liberdade e demência!
   Viraste boa vivant?, vai tudo bem contigo?

VERO
   Meu caro oficial! meu Deus! Mereço esse castigo?

VALENTIM
   Deixa nosso senhor fora dessa tormenta!
   O que aconteceu é fato consumado.
   O que ocorreu jamais será evitado!
   Entregaste a um, escondida e medrosa,
   Logo mais outros virão a ti, fogosa!
   E depois que uma dúzia houver saciado,
   És de todo o navio, um namorado!

   Onde nasce a vergonha expõe-se a luz nua.
   Nem por isso é mais bela, dando-se na rua!

   Mais e mais procura extravagante o coito,
   Pensamos até domá-la no açoito!

   Todos os honrados e dignos embarcados
   De ti, oh meretriz, se afastarão calados!
   Não verão em teus olhos imaculado tesouro,
   Nem poderás dobrar-te em cântico ao ouro!

   O teu corpo na igreja, ante o sagrado altar,
   Não podes deleitar-te e pedras irão jogar-te.
   Talvez de Genì, pela noite, podem clamar!
   Entre pobres mendigos, tristes aleijados, és dada!
   Poderás no céu um dia ser perdoada,
   Mas na terra não escapas de toda armada!

JEDÍ
   Pedes perdão! O que queres com blasfêmias, beberrão?

VALENTIM
   Mulher alcoviteira e infamante vil!
   Sobre teu corpo estéril, almejo justa redenção!

VERO
   Oh que furor do inferno! Logo me interno!

VALENTIM
   Deixas as lágrimas de lado
   Que saístes da honra e se deste ao pecado!
   Deste de antemão um golpe certeiro,
   Mas sou o bravo oficial, não me falta celeiro!






 Basilica San Pietro - Roma - Italia

 Basilica San Pietro - Roma - Italia

 Basilica San Pietro - Roma - Italia
Basilica San Pietro - Roma - Italia



 Italia Antiqua, Musei di Vaticani - Roma - Italia




Italia Antiqua, Musei di Vaticani - Roma - Italia
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 Fontana di Trevi - Roma - Italia



 Basilica di Santa Maria Ad Martyres




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